Saturday, September 11, 2010

Transplante de alma

(Este é um email q mandei pra uma amiga minha quando sai do hospital apos o inicio do meu tratamento em 2010)

Na realidade eu sabia que estava com Leucemia nos últimos dias antes de ser internado.
Venho estudando doenças e meus sintomas por anos, quando os hematomas e manchas vermelhas apareceram eu reconheci a doença, mas neguei a aceitar.
Dizem que minha aparência estava péssima e que eu parecia um moribundo mas eu realmente não me lembro de me olhar no espelho e ver nada demais.
Coloquei na minha cabeça que meu problema era falta de disciplina e vontade, por isso cada vez mais eu estava fraco e cansado. Insisti nisso ate as ultimas conseqüências.
Tudo começou com uma inflamação na garganta que não queria sarar e chegou a me atrapalhar ate pra respirar.
Fui no pronto socorro, tomei soro e duas bezetacils me receitaram antiinflamatórios e eu já estava me sentindo ótimo.
Mas não durou muito tempo. Fiquei ruim de novo e logo passei uma noite na santa casa. Fi la que uma menina me deu uma injeção meio que errada e em poucos minutos os hematomas e manchas vermelhas apareceram.
Assim que voltei da santa casa a dona Eunice fez um plano de saúde com a AMIL e eu assinei.
Continuei tomando os antinflamatoris e descansando nos próximos dias.
Não sei o que deu na minha mãe, mas ela chamou o Samu por causa da minha aparência terrível eu mesmo não achei que estava tão ruim.
Mesmo assim peguei minha câmera fotográfica e tentei registrar tudo a única coisa que eu pensava era que se eu morresse, talvez aquelas fotos ajudassem a publicar meu livro.
Fomos ate o pronto socorro do hospital paulistano aonde ficamos nos próximos dois dias fazendo exames at’e descobrir o que eu tinha.
Em nenhum momento abri a boca pra falar de câncer, alias evitei o pensamento.
Finalmente o hematologista suspeitou e fez o tese de medula, coisa que foi bem rápida já que o medico confirmou na própria colheta.
De acordo com ele eu estava com menos de 20% de sobrevida, se eu não recebesse um transplante de plaquetas e sangue especialmente preparado nas próximas 24 horas minha medula não teria recuperação e em 48 horas eu estaria morto.
No fundo eu já sabia disso e tinha aceitado tranqüilamente, a gente sente que esta morrendo, e difícil explicar. Mas a gente sabe.
Nos próximos dias vaguei no vácuo do nada entre aqui e outro lugar aonde eu também me esvaia.
Eu já ouvi muitos casos de gente que fica inconsciente e como em um sono muito tempo se passa sem perceber, mas pra mim foi o contrario.
Eu sinto que o período em que fiquei semi consciente perdido na minha mente alucinada me parece que durou semanas e não poucos dias.
Foi neste mesmo período que minha avo morreu.
A gente havia se vista a apenas três semanas, ela esta ótima e lúcida, at’e mesmo empurrando moveis e se foi dormindo no mesmo momento que eu estava la perdido no meio do nada.
Sempre tive orgulho de não pedir ajuda, sempre tive em mente que preferia me tornar um mendigo e morar nas ruas a pedir auxilio da minha família. Sempre lutei insensatamente contra o fracasso mesmo quando era tarde demais. Criei um personagem para usar maquiavelicamente para atingir meus objetivos e o meu verdadeiro eu ficou guardado esperando o dia que atingisse meus objetivos.
Eu deixei tudo pra depois, ate mesmo ser eu mesmo e orgulhosamente dizia que não me divertia, saia nem fazia mais nada alem de correr atrás das minhas metas, entre elas `e claro como você bem sabe sucesso no Brasil. O que me impediu de sair daqui e ter uma vida melhor.
Quando estava no meio do nada após minha total derrocada aceitei minha derrota.
Eu fracassei em absolutamente tudo em que empreendi, todo meu trabalho fora em vão, minha obra não era nada, todos os anos de esforço e sacrifício pura perda de tempo, meus ideais não passavam de bobagem, meu orgulho e dignidade foram inúteis, at’e mesmo meu corpo havia falhado. Eu que tanto orgulho de minha autonomia não era capaz nem de respirar sem ajuda.
Aquele foi o fim de tudo.
Principalmente o fim de todas as cobranças auto impostas, o desejo de mudar o mundo, de ter uma obra, reconhecimento do trabalho, as magoas, a raiva a frustração, a auto-cobranca....
Acabou. Não havia nada.
E isso não era ruim.
Eu havia falhado em tudo, tropeçado e caído de forma tão violenta que levaria anos para me recuperar, ainda mais que eria de começar do nada. E isso não me incomodava em nada.
Mas incomodou bastante a pisicologa do hospial, he he he. At’e o fim ela não se conformou comigo. (E muitas outras pessoas.)
Mas ninguem tira da cabeça, que la no vácuo do nada, a beira da porta da morte minha vovo G trocou de lugar comigo e levou muita coisa com ela. Inclusive minha vontade de morrer e tudo de ruim.
No meio do vacuo do nada eu tive uma lembrança.
Uma lembrança montada de outras lembranças.
Algo que havia sido proibido, algo que minha família, meus vizinhos, os professores, a televisão e toda sociedade latino americana sempre disse pra eu não fazer.
LUTAR!
Então eu lutei. Não por metas, objetivos, sobrevivência, nada. Lutei apenas pelo prazer de lutar e continuei lutando. E at’e agora estou lutando.
Nos últimos anos aquele pequeno medo de perder que você havia percebido cresceu tanto que tirou minha vontade de ganhar.
Meu corpo sabia disso e aceitando o que eu negava desistiu de viver.
No hospital eu pude perceber characteristicas semelhantes nas variedades de câncer. Principalmente comparando a mim mesmo. Elas tem uma personalidade própria e as pessoas com câncer no sangue são um bando de bananas que desistiram da vida, que nada fazem alem de choramingar e esperar acontecer.
Isso mesmo, o câncer de sangue vem porque as pessoas querem. Eles chamam a morte e elas vem.
Meu câncer não foi nada mais que uma forma que meu corpo deu de atender meu suicídio. Minha desistência da vida.
Isso foi mais do que o suficiente pra me encher de fúria e me incentivar a lutar.
Lutar.
Lutei at’e a doença ser dominada, lutei ate poder voltar a falar, lutei pra poder ficar de pe, lutei pra is no banheiro sozinho, lutei pra não precisar mais de transplante de sangue e plaquetas.
Lutei, lutei, lutei e continuo lutando ate agora, sinto todo o meu corpo lutando sem parar.
E a sensação ‘e fabulosa.
Quando eu era criança me chamaram de gênio, de criança índigo e muito mais. Eu era uma idiossincrasia social que metaforicamente enfiou uma faca no cérebro para matar suas diferenças e se infiltrou na sociedade como um espião alienígena.
Metaforiamente eu sinto que a quimioterapia dissolveu essa parte apodrecida da minha cabeça que caiu apodrecida e limpou os micro vazos sanguineos.
Eu vejo tudo de uma forma mais clara e limpa.
Alucinada.
Não se pode dizer que virei uma pagina pois não tinha nem ao menos a pagina, não deixei pra trás pois não havia nada pra deixar. Apenas perdi e acabou.
Interessante ver como as pessoas tem dificuldade de aceitar isso, aceitar que eu existo.
Antes eu ate diria o que querem ouvir, fingia que era igual aos outros. Mas isso simplesmente não faz sentido.
Todas aquelas coisas que eu fazia e não deram certo, não vejo mais porque fazer, porque insistir, nem mesmo porque me importar.
Alguns conhecidos e parentes estão com dificuldade de aceitar isso e eu simplesmente não me importo e realemente não importa.
O maior exemplo disso ‘e minha mae.
Minha mãe esta um pouco incomodada com a minha mudança súbita, mas não sobre minha visão de mundo, mas meu dinamismo. Ela se acostumou comigo letárgico e mesmo com dificuldade pra andar e perdendo o fôlego em poucos segundos eu estou muito mais ativo e dinâmico do que em anos.
Isso contribui muito pra que eu não me importe com a reação do mundo em relação a mudança.
Principalmente já que minha própria mãe sente que uma characteristica física minha parecia um aspecto de personalidade.
Mais uma pra lista de coisas que eu vejo como bobagem.
Sinto minha mente de volta.
Sinto minha arte de volta
No meio do vácuo e do nada eu percebi que tinha minha vida e a minha mente alucinada que me maravilha. Apesar de não ter mais nada e mais do que o suficiente.
Pela primeira vez nos últimos 20 anos sinto tudo esta bem.
Eu senti que em breve vou ter muito mais do que eu almejei e ate que posso imaginar. E não falo apenas do meu império de entretenimento e familiares. Sinto que vou ter tudo isso e muito mais que ainda nem sei.
Não sei como e não me preocupo com isso.
E sei que quando tiver, vou ter coisas muito mais importantes pra me preocupar.
Finalmente novamente de pe eu olhei pro horizonte e por toda parte caminhos e possibilidades, por toda a parte eu vi a mesma coisa.
O começo.